Não venha me falar sobre almas, espíritos, céu e inferno. Não venha me falar sobre corpos, matéria orgânica, músculos e ossos. E não, não mesmo, jamais chegue aqui com palavras. As palavras são meu trabalho. Eu sei do poder que elas têm e também sei da insignificância delas perante coisas muito mais fortes, mais relevantes, como a memória. E foi vasculhando essa sala empoeirada e vazia que encontrei os vários momentos em que ri, quase que tropeçando neles. São muitos. Estavam todos lá, guardados numa gaveta bem alta de um armário bambo, que não tinha um de seus pés.
Examinei, um por um, esses momentos, todos. E ria como uma criança. Era uma história mais engraçada que a outra, e eu ria demais, prestava atenção demais.
Hoje mesmo eu percebi que, a cada dia que passa, nas aulas, eu tenho rido menos, mas isso não quer dizer que eu esteja me tornando alguém menos feliz. Muito pelo contrário, é que me acostumei com tanta coisa engraçada que hoje meus dentes não se mostram por pouco. Tem que ser algo muito engraçado pra que eles se animem a ver a luz do sol, pra que se exibam. E você, meu caro, é uma fábrica de coisas muito engraçadas. Eu ria demais.
Não me venha com saudades. É o sentimento de quem se apega ao físico e ao tátil. Quando não se tem mais o tangível, o "tocável", a gente sente saudade. Ingenuidade. Eu não sinto saudade, pois me apego a histórias, ações e a fisionomias. E não tem como sentir saudade dessas coisas. Eu levo tudo isso comigo. Pra sempre. Acomodo minha cabeça em qualquer travesseiro e fecho os olhos. O interior de minhas pálpebras me serve como tela para projetar tudo isso, sempre que eu sentir falta de você. Os que acreditam, que rezem pela sua alma, pelo bem estar do seu espírito e que te forneçam um bom guia até o céu. O teu corpo eu deixo para a terra, os microorganismos e todos os ciclos que aprendi no colégio. Todas essas coisas que a gente consegue encostar, tudo que é tátil, tem cheiro e sabor, quero que façam o que quiserem com isso tudo. Mas as histórias, as ações e as fisionomias são minhas, e de todas as pessoas que tiveram a felicidade de dividir algum momento contigo.
Descanse em paz, Hermes bezerra. Eu sei que são palavras, que são insignificantes, mas eu só consigo chegar até as minhas memórias quando caminho por uma estrada feita de palavras.
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